Os noticiários na televisão são a melhor forma de medir o estado da nação. Enquanto existiram apenas dois canais generalistas, a pessoas dividiam-se entre aqueles que viam o Telejornal e os que viam o Jornal das Nove do segundo canal.
Os telejornais eram-nos servidos por pessoas que respeitávamos, que faziam uma apresentação distanciada dos assuntos, independente; sem flores. Estavam sempre em nossa casa mas não os considerávamos próximos; até que, com os novos canais, os pivots sentiram a necessidade de deixar de ser apenas os tipos que nos visitavam e fazer parte da família.
Quiseram estreitar laços. Agarrar o espectador na luta pelas audiências. Começaram-nos a piscar o olho! Adoro aquele post scriptum de Vasco Pulido Valente, num texto de 2014, que termina com chave de ouro: “Imploro ao sr. José Rodrigues dos Santos que não me pisque mais o olho”. Sempre houve quem tomasse “liberdades”, mas com a competitividade acrescida e as receitas da publicidade a diminuir, os pivots da informação tiveram que ‘inovar’ cada vez mais. E se nos últimos anos muito mudou, com estes meses que já levamos de pandemia a coisa só piorou. A angústia de estar em casa levou a uma maior procura de informação que prendeu as pessoas aos diferentes serviços informativos na televisão.
Os directores dos canais foram estendendo o lençol informativo enquanto iam agarrando as audiências. Os telejornais foram alargando para mais de uma hora e meia, até passaram a incluir os melhores ‘gags virais’ das redes sociais; secundarizando as novelas, as séries e tudo o resto. Uma batalha difícil que conheci por dentro na direcção de informação de um canal generalista onde era imperioso tentar agarrar um espectador com um perfil cada vez menos esclarecido. O que aconteceu a Rodrigo?
Durante muitos anos admirei a qualidade, sobriedade e solidez de Rodrigo Guedes de Carvalho; mesmo quando metia uma colherada mais pessoal como aquela no final de uma noite de eleições: “o meu pai foi o médico que pôs a Bárbara Guimarães ao mundo”. Rodrigo era simples, conciso, tinha graça. E sobretudo, era oportuno. Só que algo se passou nos últimos tempos, como tão bem evidenciou Joana Marques em três episódios radiofónicos do “Extremamente Desagradável”. Rodrigo extravasou do cunho pessoal para a conversa de café e fila da farmácia.
Comentou com frases de sofá. Parecia que gostava de se ouvir com “uma frase que não é minha, que li nas redes sociais, mas que me apetece muito partilhar», ou lições de moral reforçadas de um «deixe-me frisar bem isto», ou ralhetes que terminavam com um simples «tenham noção!» O Rodrigo bem preparado para as entrevistas foi substituído por um tom acintoso de tiradas como «uma coisa não tem nada a ver com a outra, eu estou a falar de…», ou a arrogância do «muito bem…» seguido de um «Senhora ministra em quê que ficamos?». Rodrigo apropriou-se da conversa de café para fazer a mediação entre o primeiro-ministro e o resto dos portugueses com questões como: «tem falado com Mário Centeno?
Ele está a suar? Vocês ainda não conseguem saber nesta altura o tamanho da pancada, pois não?». Em vez de, pedagogicamente, ajudar na elevação do discurso político, Rodrigo chafurdou nele. O pior é que, não manteve a coragem para persistir no tom agressivo e no final soltou a lisonja exagerada ao entrevistado elogiando seu papel na luta contra a pandemia em tom piegas. Rodrigo passou a ser mais importante que o entrevistado, a sua função deixou de ser fazer que o entrevistado exponha, com o respectivo contraditório, as suas razões da forma mais clara possível.
Rodrigo Guedes de Carvalho passou a sobrepor-se a tudo e a todos com remates como «que eu espero bem que aconteça…», «eu tudo farei para que…», e mimos como «os portugueses não entendem…», «eu hoje expliquei mais uma vez a questão…» ou o inesquecível: «têm mais é que se portar bem…». Rodrigo está imparável. A despromoção de se ser político Proliferaram neste período alguns jornalistas justiceiros que atiram perguntas, fazendo de imediato o contraditório e quase não permitindo ao entrevistado falar.
Pois têm ainda mais perguntas e não há tempo para respostas longas. Seguem-se novamente perguntas, em que utilizam um contraditório contrário ao anteriormente utilizado… confuso? Digamos que, o entrevistado neste tempo é preso por decidir, por não decidir nada e por decidir qualquer coisa que fosse. É criticado por tomar decisões de contenção, que não sendo ideais, são necessárias na mitigação de qualquer crise. Um jornalista deve questionar o político sobre as decisões tomadas, o seu papel deve, sobretudo, contribuir para que este se expresse na melhor forma e consiga esclarecer das razões que consubstanciam cada decisão.
Cabe a cada um de nós cidadão fazer o seu juízo. Só que há entrevistadores que, fazendo contraditórios sucessivos e não permitindo o entrevistado explicar qualquer base de decisão, acabam por ser nocivos transmitindo a ideia de que todos os políticos, por serem políticos, estão sob suspeição. Confesso que, nunca fui muito submisso a graduações académicas, tanto nos primórdios da minha vida escolar, como mais recentemente. Sempre fui algo ‘disruptivo’ e acutilante para com os professores; ainda assim, custou-me ver a forma como o jornalista Rodrigo Pratas entrevistou o secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa.
Fazia as perguntas de forma demasiado veemente. Um certo nervosinho no ar. Enunciava uma série de contraditórios às decisões anunciadas, e cada vez que, o responsável ia tentar explicar a base de suporte de cada decisão, era interrompido. Nunca havia tempo. As soluções propostas na área do ensino (que não são ideais por tentar dar uma resposta à inesperada pandemia), eram todas erradas, mal pensadas, nos outros países havia sempre algo melhor para contrapor. Nunca permitiu que se explicasse a substância que estava por detrás de cada medida.
A facilidade com que se é veemente com um político na televisão nos dias de hoje é incrível. Há uma atitude persecutória constante. Como nada sabia sobre aquele senhor, fui tentar perceber como conseguia ter aquela atitude pedagógica para com um entrevistador agressivo. Fui tentar perceber a razão de ser da forma estóica como respondia sem nunca se eriçar. Pelos vistos João Costa é Professor Catedrático de Linguística da Universidade Nova, Doutorado aos vinte e poucos anos em Linguística pela Universidade de Leiden, visitante do MIT.
Foi Director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, Presidente do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades da Fundação para a Ciência e Tecnologia, membro do Conselho Científico do Plano Nacional de Leitura, da Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa e do Conselho Consultivo do Instituto Camões. Presidente da Associação Portuguesa de Linguística. Professor convidado em universidades estrangeiras.
Enfim… duvido que, se o entrevistassem como professor, e não como político, alguma vez o tratassem daquela forma. Fiquei mesmo admirado com a persistência de João Costa, com a sua atitude pedagógica de explicar, mesmo quando não lhe davam tempo. Como se bateu por cada decisão, mesmo sabendo que não são soluções ideais, mas apenas as possíveis de mitigação no actual contexto. Já preparei muita gente em media training e confesso que eu não conseguiria manter o sangue frio que João Costa teve. Pivots com opinião Atenção! O facto de os pivots passarem a querer ter opinião não é em si um problema. O problema é o modo pouco esclarecedor como o fazem.
No Brasil, por exemplo, há noticiários de referência em que o pivot expressa a sua opinião num processo muito simples: olha a direito para a câmara e lê a notícia, depois vira-se e olha para a outra câmara à sua direita, e dá a sua opinião. Expressando-se na primeira pessoa e com o uso total da verrina: «eu acho que esse sujeitinho…». Pode-se pensar que é apenas uma questão de forma, ou de formato, mas é a pequena diferença que aclara e faz os espectadores destrinçarem entre informação e opinião.
Quem como eu gosta deste tema não pode deixar de ver uma série que é muito elucidativa sobre todo este processo. Chama-se The Newsroom, e foi criada pelo grande Aaron Sorkin. É a história de um pivot republicano chamado Will McAvoy (Jeff Daniels), e da sua equipe, na sua luta contra todos os obstáculos a uma boa informação. Uma narrativa que vai evidenciando todos os constrangimentos pessoais, comerciais e corporativos que envolvem cada emissão de um telejornal.
O enredo de The Newsroom é uma ficção, mas foi criado para evidenciar o peso cada vez maior do Tea Party Movement, um movimento populista que quase tomou conta do Partido Republicano dos Estados Unidos; e que em grande medida é responsável pela degradação que deu origem à eleição de Trump como candidato republicano e, consequentemente, Presidente. Sorkin observou e estudou vários canais de notícias em todo o mundo, e sobretudo, americanos para demonstrar através da sua narrativa o poder real do lobbing naquele país.
Queria concretamente demonstrar que os irmãos Charles e David Koch, proprietários da Koch Industries, têm uma grande influência na política dos Estados Unidos através de constantes donativos alavancado num património superior a 108 mil milhões de dólares. As Koch Industries é a segunda maior empresa de capital fechado dos EUA.
Os cinco minutos iniciais do primeiro episódio, são para mim do melhor que já se fez em televisão. Quando Will McAvoy, pivot e editor do programa News Night é obrigado a responder numa conferência à pergunta: «why america is the greatest country in the world?» (Trump viria a usar esta mensagem subliminar para slogan da sua campanha, imagine-se!) Will McAvoy desmonta essa concepção dizendo porque a América já não é o maior país do mundo e explica o porquê. Afirma que a América deixou de ser o melhor país do mundo porque deixou de ter jornalistas que fossem referência na mediação com a realidade.