Impressão de artista que ilustra a possível aparência do planeta Kepler-452b
Cientistas identificaram um grupo de planetas para lá do Sistema Solar onde existem as mesmas condições químicas que podem ter levado à vida na Terra.
Investigadores da Universidade de Cambridge e do Medical Research Council Laboratory of Molecular Biology (MRC LMB) descobriram que a probabilidade de a vida se desenvolver à superfície de um planeta rochoso como a Terra estão relacionadas com o tipo e força da luz emitida pela estrela hospedeira.
O estudo,
publicado este mês na Science Advances, propõe que as estrelas que emitem luz ultravioleta suficiente podem dar o pontapé inicial à vida nos seus planetas em órbita da mesma maneira que provavelmente se desenvolveu na Terra, onde a radiação UV desencadeia uma série de reações químicas que produzem os blocos de construção da vida.
Desta forma, os investigadores identificaram uma variedade de planetas onde os raios UV da estrela hospedeira são suficientes para permitir a ocorrência destas reações químicas, situados dentro da faixa habitável onde a água líquida pode existir à superfície.
“Este trabalho permite-nos restringir os melhores lugares para procurar vida,” afirma o cientista Paul Rimmer, investigador pós-doutoral com afiliação conjunta no Laboratório Cavendish de Cambridge e no MRC LMB, autor principal do artigo. “Leva-nos um pouco mais perto de abordar a questão de saber se estamos sozinhos no Universo.”
O novo artigo científico é o resultado de uma colaboração contínua entre o Laboratório Cavendish e o MRC LMB, reunindo investigações sobre química orgânica e exoplanetas. Baseia-se no trabalho do professor John Sutherland, coautor do artigo, que estuda a origem química da vida na Terra.
Num outro artigo, publicado em 2015, o grupo do professor Sutherland no MRC LMB propôs que o cianeto, apesar de ser um veneno mortal, era de facto um ingrediente-chave na sopa primordial da qual toda a vida na Terra teve origem.
Nesta hipótese, o carbono dos meteoritos que atingiram a Terra interagiram com o azoto na atmosfera para formar cianeto de hidrogénio. O cianeto de hidrogénio choveu até à superfície, onde interagiu com outros elementos de várias maneiras, alimentado pela radiação ultravioleta do Sol.
As substâncias químicas produzidas por essas interações deram origem aos blocos de construção do ARN (ácido ribonucleico), o parente próximo do ADN que a maioria dos biólogos pensa ter sido a primeira molécula da vida a transportar informação.
No laboratório, o grupo de Sutherland recriou essas reações químicas sob lâmpadas UV e gerou os precursores de lípidos, aminoácidos e nucleótidos, componentes essenciais das células vivas.
“Deparei-me com estas experiências anteriores e, como astrónomo, a primeira questão é sempre que tipo de luz estamos a usar que, como químicos, eles não tinham dado grande importância,” diz Rimmer. “Comecei por medir o número de fotões emitidos pelas lâmpadas e percebi que a comparação dessa luz com a de diferentes estrelas era um simples passo direto.”
Os dois grupos realizaram uma série de experiências com o objetivo de medir a rapidez com que os blocos de construção da vida podem ser formados a partir de iões de cianeto de hidrogénio e sulfito de hidrogénio em água quando expostos à luz ultravioleta. Realizaram então a mesma experiência na ausência de luz.
“Há química que acontece no escuro: é mais lenta do que a química que acontece na luz, mas está lá,” comenta o professor sénior Didier Queloz, também do Laboratório Cavendish. “Queríamos ver quanta luz seria necessária para a química da luz vencer a química da escuridão.”
A mesma experiência executada no escuro com o cianeto de hidrogénio e o sulfito de hidrogénio resultou num composto inerte que não pôde ser usado para formar os blocos de construção da vida, ao passo que a experiência realizada sob as luzes resultou nos blocos de construção necessários.
Os cientistas compararam a química da luz com a química da escuridão contra a luz UV de diferentes estrelas. Traçaram a quantidade de radiação ultravioleta disponível com planetas em órbita dessas estrelas a fim de determinar onde esta química pode ser ativada.
Descobriram que as estrelas com uma temperatura idêntica à do Sol emitiam luz suficiente para os blocos de construção da vida se formarem à superfície dos seus planetas. As estrelas frias, por outro lado, não produziram luz suficiente para a formação dos blocos de construção, a não ser que tenham erupções estelares suficientes para impulsionar a química.
Os planetas que recebem luz suficiente para ativar a sua química e que podem ter água líquida à superfície residem no que os investigadores chamaram de zona de abiogénese.
Entre os exoplanetas que residem na zona de abiogénese, estão vários detetados pelo Telescópio Kepler, incluindo Kepler-452b, um planeta que foi apelidado de “primo” da Terra.
Os telescópios de próxima geração, como o TESS e o Telescópio Espacial James Webb da NASA, poderão identificar e potencialmente caracterizar muitos outros planetas que se encontrem na zona de abiogénese.
Claro, é também possível que caso exista vida noutros planetas, se tenha desenvolvido ou se desenvolva de uma maneira totalmente diferente da da Terra.