sexta-feira, 10 de junho de 2011

Múmias, uma arte em busca da eternidade


Culturas antigas ansiaram pela imortalidade; hoje ajudam os cientistas

Da morte, ninguém escapa. Da decomposição, porém, alguns conseguem fugir, graças à obra dos embalsamadores. É o caso de Tutancâmon, Lénine, Evita Peron ou de Oetzi, o homem de 5.300 anos encontrado congelado na fronteira da Áustria com a Itália. Difícil mesmo é não se sentir fascinado pelas múmias, assunto que este ano ganhou um livro de destaque - The Mummy Congress (O Congresso das Múmias, em português), da escritora e jornalista canadiana especializada em arqueologia Heather Pringle. Quem lê, fica a saber, entre outras coisas, que as múmias egípcias, apesar de serem as mais famosas, não são as mais antigas. Cerca de 2.500 anos antes do processo ser adotado pelos egípcios, a mumificação já era prática entre os chinchorros, povo que vivia entre o actual norte do Chile e o sul do Peru. As múmias mais antigas (7,8 mil anos) eram de crianças que, quando mortas, tinham a carne substituída por junco, gravetos e barro pintado. O resultado lembra uma estátua, mantida em casa pelos chinchorros, para matar a saudade do filho perdido, como explica Heather. Milénios depois, o processo ganhou uma versão mais bizarra no Japão. Monges do século XVIII tentavam mumificar-se ainda vivos, com ajuda de uma dieta à base de resinas de árvores. Se deu certo, ou se os corpos foram preservados depois, não se sabe.


Mistério: múmia caucasiana descoberta na China confunde historiadores

A inglesa Joyce Filer já levou 15 múmias para sessões de tomografia computadorizada no hospital nos últimos quatro anos. "Os exames fornecem informações importantes sobre a saúde do Egito Antigo", justifica Joyce, egiptóloga do Museu Britânico, de Londres, com especialização em patologia. Graças às imagens, sabe-se, por exemplo, que artrite e osteoporose eram males comuns entre os egípcios. Mais corriqueira ainda era a dor de dente - resultado das doses generosas de mel e da mistura inevitável da areia do deserto com a comida, acredita o curador do museu, John Taylor.

Análises realizadas nos tecidos mumificados revelam também muitos casos de malária, tuberculose e esquistossomose adquirida em banhos no Rio Nilo. Com tantos problemas, não é à toa que a expectativa de vida na época fosse de 35 a 40 anos. "O dia-a-dia naqueles tempos era bem mais difícil do que sugerem as figuras alegres, jovens e saudáveis que vemos pintadas nas tumbas", afirma Taylor.

Estudar a saúde dos antigos egípcios não serve, porém, só para satisfazer a curiosidade dos historiadores. "Quando se acompanha a evolução de uma doença durante séculos, é possível entender melhor o seu comportamento e encontrar eventuais formas de cura", diz Joyce. É o que pretendem provar investigadores do Museu de Manchester, na Grã-Bretanha, coordenados pela egiptóloga Rosalie David.

As cabeças de Napoleão


Está com dor de cabeça? Nada melhor que pó de múmia. Partiu a perna? O remédio também serve. Na Renascença era assim: recomendava-se múmia para a cura de quase tudo. Uma pequena dose, dizia-se, acabava com enxaquecas, incontinência urinária, paralisia e vertigens. A história vem do livro The Mummy Congress, de Heather Pringle. Entre os consumidores fiéis estavam o rei francês Francisco I, um dos mecenas de Leonardo da Vinci, e sua nora, Catarina de Medici, sobrinha do papa Clemente VII.

No tempo de Napoleão Bonaparte, a admiração por múmias e pela cultura egípcia persistiu (ilustração). Em 1799, ele voltou da campanha no Egipto com duas cabeças mumificadas na bagagem. Ficou com uma e deu a outra de presente a sua mulher, Josefina.

Vestígios de ADN


Além do Egipto Os chinchorros, no Chile, já mumificavam seus mortos há 7 mil anos. Em cima, múmia europeia com um dente

Com a análise de amostras de tecidos de múmias doadas por museus e colecionadores, a equipa britânica procura desenvolver um tratamento eficaz para a esquistossomose. O mal, identificado em múmias egípcias de 5 mil anos, atinge 200 milhões de pessoas no planeta. Os cientistas de Manchester desenvolveram uma técnica de detecção de reações do sistema imunológico ao parasita da doença nos tecidos mumificados. Outros investigadores procuram informações sobre a doença de Chagas nas múmias chilenas. "Com a análise de pequenas amostras, é possível identificar o ADN do Tripanossoma cruzi, o parasita causador da doença", afirma Heather.

Com tomografia computadorizada, Joyce descobriu uma grave lesão não cicatrizada na cabeça de Artemidoris, jovem egípcio de 2100 anos, descoberto em 1888 a cerca de 60 km do Cairo. "Pancadas desse tipo são geralmente resultado de agressões físicas", diz, após analisar as imagens da múmia feitas pelo hospital da University College London. O ferimento, que teria sido grave o suficiente para ter morto Artemidoris, pode ter sido apenas obra de um embalsamador desajeitado. "A lesão pode ter ocorrido no processo de mumificação", afirma a investigadora. "Nesse caso, o acidente teria ocorrido antes do enfaixamento do corpo, pois as faixas não trazem marcas", diz, com autoridade de quem foi escolhida pelo governo inglês para examinar, logo que o Egipto permitir, a múmia de Tutancâmon.

Hoje se sabe que o jovem Artemidoris era bem mais feio do que mostra sua imagem no sarcófago. A reconstrução computadorizada do seu rosto, a primeira do género, foi possível graças a um software criado pelo brasileiro João Campos e dois colegas do hospital da University College London. "Nós reconstruímos no computador o rosto em três dimensões com base nas imagens da tomografia e do sarcófago", diz Campos, engenheiro electrónico que trocou o estudo de sinais magnéticos cardíacos no Instituto do Coração, de São Paulo, pelo hospital londrino. O resultado é uma face mediterrânea quadrada, menos delicada que o estilo oval romano então na moda, pintado no sarcófago.

Um mito embalsamado

A múmia mais famosa do mundo moderno está guardada num mausoléu na Praça Vermelha, em Moscovo. O corpo do líder comunista Vladimir Lénine, morto em 1924, foi preservado por uma equipa de embalsamadores que trabalharam durante cinco meses para criar a ilusão de que ele estava apenas a dormir. Seu rosto e mãos ainda estão à mostra, mas o resto do corpo está coberto por uma roupa preta, que impede a visão da decomposição. Ocasionalmente, o corpo mumificado é lavado com um líquido especial para manter a aparência impressionante.


Encarregados de preservar o corpo e, portanto, de manter o culto a Lénine, os embalsamadores selaram as cicatrizes da cabeça do líder após o cérebro ser removido para estudos. O objetivo era descobrir o segredo do génio que o regime soviético atribuía a Lénine. O cérebro ainda está guardado num laboratório de Moscovo, assim como o de outro líder comunista, o ditador Joseph Staline, cujo corpo também estava no mausoléu da Praça Vermelha, até ser enterrado, em 1961, nas paredes do Kremlin.


Beleza egípcia: Máscara dourada protege tumba

No século XIX, a análise dos corpos preservados do Egipto Antigo visavam muitas vezes provar a suposta superioridade dos brancos e justificar a escravidão dos negros. Segundo Heather Pringle, o americano Samuel Morton mediu centenas de caveiras e 20 cabeças mumificadas para concluir que os egípcios que lhe pareciam brancos tinham cérebro maior que os dos negros. Teorias racistas também inspiraram os dirigentes nazis, que mandaram uma expedição a Xinjiang, na China, atrás das múmias de origem caucasiana, de 4 mil anos. A intenção era provar que Gengis Khan (1162-1227), o líder mongol admirado por Adolf Hitler (1889-1945), tinha a mesma origem que os alemães. Voltaram de mãos vazias.

fonte: Galileu

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