segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Os jornais deram vivas à República


Algumas das principais conspirações que levaram ao 5 de Outubro passaram pelas redacções de jornais, num tempo em que havia belas reportagens e prosas com linguagem sofisticada. Um dos episódios da revolução passa por uma notícia falsa publicada para evitar o pânico entre os republicanos, num momento em que se pensou que tudo estava perdido. E, apesar de ter decretado a liberdade de imprensa (que já existia), a I República teve péssima relação com os jornais críticos, sobretudo com os monárquicos. Nesta época, as redacções eram locais onde se fazia política activa e os jornalistas saudaram o novo regime. Os jornais tinham poder e influência, como acontece hoje com a televisão.

Um dos momentos cruciais do 5 de Outubro passou-se numa redacção de jornal e a História podia ter sido diferente sem a manobra de contra-propaganda que conseguiu evitar o pânico entre os revolucionários. Consistiu em publicar uma mentira, num episódio que revela a forma como o jornalismo da época funcionava: havia boas reportagens e prosas magníficas, mas as jornais eram plataformas de acção política.

A redacção do jornal A Lucta ficava na Rua de Anchieta e era utilizada para as conspirações dos republicanos, cuja sede ficava quase ao lado, no Largo de São Carlos, no mesmo prédio onde nascera o poeta Fernando Pessoa. A madrugada de dia 4 correra da pior forma: apenas três regimentos aderiram ao movimento, numa confusão total. E, para piorar o cenário derrotista, o chefe militar do golpe, almirante Cândido dos Reis, suicidou-se, ao pensar que a acção não teria qualquer hipótese de sobrevivência.

Com o chefe civil da revolução, Miguel Bombarda, assassinado na véspera por um antigo doente, o desaparecimento de Cândido dos Reis era extremamente perigoso.

Assim, a redacção da Lucta tornou-se um local de suprema importância. O jornal era dirigido por Brito Camacho, que viria a ser uma das mais destacadas figuras do período republicano. Ao saber da morte do almirante Reis, o director do jornal mandou imprimir um comunicado de uma suposta junta revolucionária (que não existia) a desmentir a informação do suicídio.

A mentira salvou o novo regime que, entre as primeiras medidas, decretou a liberdade de imprensa, aliás suficiente na monarquia, apesar das polémicas com crimes e aministias. A I República sempre teve péssima relação com os jornais críticos, incluindo os republicanos. São inúmeros os casos de jornais fechados ou vandalizados e os tipógrafos tinham enorme influência, pois podiam impedir uma edição ou boicotá-la. A própria Lucta seria proibida, em Dezembro de 1914, devido a um artigo de Brito Camacho sobre a participação de Portugal na guerra.

Os jornais continuaram ligados a facções políticas ou a partidos. O jornal A República, fundado por António José de Almeida em Janeiro de 1911, ficaria ligado ao Partido Evolucionista; A Lucta ao Partido Unionista. O DN também seria republicano, assim como O Século, o grande rival até aos anos 70, que já era um dos baluartes revolucionários.

Neste tempo, as redacções eram pequenas, havia muitos títulos e as notícias dependiam de numerosos repórteres, correspondentes e informadores sempre activos, mas que também davam informações erradas.

Muitas notícias eram mal verificadas e tinham de ser desmentidas. Os jornais eram construídos em colunas e fechavam tarde. Ensaiavam-se as primeiras publicações com grafismo complicado e foto-reportagem. Os jornalistas eram figuras destacadas da sociedade, muito envolvidos em política. E havia uma maioria de republicanos. A revolução foi desde o início interpretada como um grande acontecimento e a proclamação da República saudada com vivas nos títulos, uma escrita entusiástica e a ingénua certeza de que tudo ia mudar para melhor.


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