domingo, 16 de outubro de 2011

Peixe cerebral


Um peixe-eléCtrico do Congo pode ser a chave para desvendar como nos movemos

Durante décadas, os neurocientistas vêm acumulando teorias sobre a função cerebral, apesar de uma falta quase total de informações sobre os neurónios mais numerosos de todos: as células granulares do cerebelo. Essas células relativamente simples, que representam 70 biliões dos quase 86 biliões de neurónios do cérebro humano, estão reunidas no cerebelo, uma estrutura em forma de brócolis, escondida na parte traseira de nosso cérebro. As células granulares do cerebelo fazem parte de um circuito cerebral com uma estrutura surpreendentemente regular, quase cristalina.

No entanto, o propósito dessa disposição anatómica directa tem confundido os cientistas. Na década de 1960, uma equipa de neurocientistas, cientistas da computação e matemáticos desenvolveram a teoria de que essas células exercem um papel relevante na capacidade de o cerebelo aprender habilidades motoras. Vários grupos de cientistas se propuseram a colocar a teoria em prova, imaginando que em breve a nossa compreensão do cérebro daria um enorme salto à frente. Mas a recolha de informações sobre as células granulares acabou não sendo tão fácil. Seu acondicionamento denso, a pequena dimensão e a localização bem no interior do cérebro as tornam difíceis de alcançar pelas técnicas tradicionais experimentais. A teoria prosseguiu sem solução por 40 anos, lançando uma sombra sobre os esforços dos estudiosos do cerebelo. 

Um caminho possível para a descoberta surgiu recentemente de uma fonte incomum: o peixe-eléctrico Gnathonemus petersii, que há muito fascina neurocientistas por ter um cerebelo enorme. Ao registar meticulosamente a actividade das células granulares individuais num peixe-elefante vivo com microelectrodos, o neurocientista Nate Sawtell do Kavli Institute for Brain Science da Columbia University, onde faz o doutorado no momento, descobriu algumas das primeiras evidências directas que apoiam a teoria da década de 1960 de que as células granulares podem estimular a capacidade de o cerebelo aprender aptidões como os movimentos finos. Sawtell mostrou que os neurónios que recebem estímulo dessas células conseguiram prever a posição da cauda do peixe com base numa combinação de sinais motores e sensoriais, um passo crucial para o aprendizagem de aptidões motoras. Sawtell é apenas um dentre um grupo de neurocientistas que trabalham com este peixe, mas seus resultados sugerem o potencial do peixe em ajudar a resolver este mistério de longa data.

O conhecimento da função das células granulares do cerebelo pode levar a novas descobertas importantes. Em seres humanos, a ampla conectividade do cerebelo com o resto do cérebro sugere que ele vai muito além de aprender habilidades motoras: demonstrou que têm importância na percepção e cognição, com estudos recentes que ligam a disfunção cerebelar a doenças tão complexas quanto a esquizofrenia e o autismo. Está na hora de começar a ouvir a maioria silenciosa de 70 biliões, o que começamos a fazer graças a um peixinho eléctrico com um enorme cerebelo.


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