sexta-feira, 25 de maio de 2012

Neil Harbisson vê as cores como sons: "Sou um ciborgue"

Neil Harbisson faz arte com sons e cores: o som de Lisboa é azul-pastel e creme, diz

Neil Harbisson faz arte com sons e cores: o som de Lisboa é azul-pastel e creme, diz 

As cores são interferências visuais, diz-nos Neil Harbisson. São ondas de luz reflectidas pelos objectos. "A luz move-se de forma tão rápida que não consigo ver as cores", conta ao PÚBLICO. O britânico descobriu aos 11 anos que só via cinzentos, tinha uma síndrome visual chamada acromatopsia, que o impede de ver as cores. Terá herdado este problema do avô, que, tal como ele, tinha problemas com as cores.

Durante anos, lutou para compreender as cores, até assistir a uma palestra sobre cibernética, onde interpelou o orador e falou-lhe do seu problema. Nasceu uma solução: uma câmara que lê os raios luminosos e transforma as cores em sons. Harbisson chama-lhe eyeborg. Quando utilizou o dispositivo pela primeira vez, as cores transformaram-se em sons e o mundo mudou. "É um novo sentido, não um substituto. Para mim, a cor é um som", explica Harbisson, 29 anos, que veio ontem dar uma conferência na Fundação Champalimaud, em Lisboa, juntamente com o investigador Domingos Henrique, do Programa Champalimaud de Neurociências, e o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha nos Estados Unidos. 

Harbisson dizpor que é que este eyeborg o transforma num ciborgue. "À medida que o tempo passou, senti que deixou de ser um dispositivo e passou a ser a extensão dos meus sentidos", explica. "A maior mudança aconteceu quando comecei a ouvir cores em frequências diferentes nos meus sonhos. O meu cérebro criou sons electrónicos e entendeu-os como cores. O organismo e a cibernética unem-se. É por isso que a palavra "ciborgue" define o meu ser."

Desde 2004 que Neil Harbisson não tira o aparelho que traz na cabeça. Utiliza-o a dormir, a tomar banho. É um elemento do seu corpo: o eyeborg, atento por cima dos seus olhos azuis, está ligado à parte de trás da cabeça, onde umchip, colado ao crânio pressionando-o, emite sons. Harbisson ouve as cores, não directamente pelos ouvidos, mas através do som que percorre os seus ossos. 

Foi esta situação que o ciborgue explicou às autoridades britânicas em 2004, que desde então o reconhecem como ciborgue. Agora, a sua fotografia do passaporte tem lá a câmara - ela faz parte do corpo.

O novo sentido, ao contrário da visão, dá um som geral das cores dos lugares. "Agora estou a apontar lá para fora e detecto um som entre o verde e o amarelo", diz, sentado num cadeirão, no enorme hallda fundação. Um dos projectos do ciborgue foi andar pelas capitais europeias a ouvir as cores das cidades. Lisboa é azul-pastel e creme. Mas se Harbisson quiser ouvir a cor de um objecto, então tem de se aproximar muito dele, para que o eyeborg não receba raios reflectidos de outros locais.

O que sentiu a primeira vez que pôs o eyeborg? "Tudo mudou, porque a cor está em todo o lado. Por exemplo, quando me visto. Hoje estou vestido todo com a mesma cor [T-shirt e calças vermelhas, antes vestia-se a preto e branco]. A alimentação também mudou. Os alimentos têm cores e, quando se come, pode compor-se música. Mudou a forma como vejo arte visual ou as caras das pessoas. Pessoas que conhecia antes, agora que oiço as suas cores vejo-as de uma forma diferente", descreve.

Os primeiros tempos foram os mais difíceis. O cérebro de Neil Harbisson teve de se habituar a uma quantidade enorme de informação que antes não recebia. Mas, passadas cinco semanas, já se tinha habituado ao dispositivo e tinha memorizado o som de todas as cores. Hoje, gosta de andar pelos supermercados e ouvir as harmonias das cores nas várias secções. Elegeu o som da beringela como a sua cor favorita: "Tem um tom muito alto, no supermercado sobressai." No seu trabalho artístico, dá concertos utilizando o som das caras das pessoas que estão na plateia e transforma ainda os discursos de políticos famosos em cores.

Como ciborgue, Harbisson diz que é o primeiro de muitos. "As crianças que nascem agora não vão usar a tecnologia como uma ferramenta, mas como parte do corpo. As pessoas que nasceram no século XX vêem essa junção como negativa, mas isso está a mudar", defende, acrescentando que vão surgir novos sentidos e que isso vai ajudar-nos a compreender a realidade. "Há tantas coisas em que podemos evoluir, aplicando a tecnologia no nosso corpo."

fonte: Público

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