quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Portugueses e brasileiros fabricam primeiros transístores de papel do mundo


O primeiro transístor de papel foi criado em 2008 pelos cientistas da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa



Fábrica da Suzano: a empresa brasileira é a segunda maior produtora de celulose de eucalipto do mundo

Os primeiros transístores de papel do mundo vão começar a ser fabricados por um consórcio que envolve a Universidade Nova de Lisboa (UNL), a Universidade de São Paulo (USP) e a Suzano - Papel e Celulose, a segunda maior produtora de celulose de eucalipto do Planeta.

A UNL participa neste projeto através do Centro de Investigação de Materiais (Cenimat) da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), dirigido por Elvira Fortunado, e a USP através do Instituto de Física de São Carlos.

Concretamente, o projeto pretende determinar as propriedades físico-químicas de 30 amostras de diferentes papéis da Suzano, bem como a suas correlações com as propriedades eletrónicas dos transístores produzidos, tendo como substrato filmes desses papéis.

O objetivo é "otimizar o papel para aplicações eletrónicas", adianta Elvira Fortunato. Até agora a equipa do Cenimat tem usado o vulgar papel de escrita ou de fotocópia nas suas experiências com transístores e memórias de papel, que inventou em 2008.

Baterias de papel para telemóveis

Mais recentemente, os investigadores da FCT, liderados por esta cientista e pelo marido, Rodrigo Martins, inventaram baterias em papel que podem ser usadas em telemóveis, computadores, tablets, consolas de jogos, kits de diagnóstico e todo o tipo de dispositivos eletrónicos.

O papel usado nas baterias, nos transístores ou nas memórias pode ser reciclado, mas para ser eficiente nas aplicações eletrónicas tem de possuir algumas propriedades específicas "no acabamento superficial, composição química, alinhamento das fibras e níveis de porosidade", explica Elvira Fortunato.

As baterias agora inventadas são carregadas pelo vapor de água existente na atmosfera, na rua ou em casa, desde que a percentagem de humidade do ar esteja acima dos 40%, o que se verifica durante todo o ano nos países de clima temperado húmido, tropical húmido e boreal, e durante a maior parte do ano nos países de clima mediterrânico.

Abaixo dos 40%, o carregamento poderá ser feito em locais fechados com níveis de humidade elevados, como o WC quando estamos a tomar banho e outros ambientes artificiais. O papel usado pelas baterias pode ser reciclado.

Biobaterias carregadas por suor e plasma sanguíneo

Ao mesmo tempo, os investigadores Isabel Ferreira, João Paulo Borges e Ana Baptista, do Departamento de Ciência dos Materiais da FCT, inventaram biobaterias baseadas numa membrana (separador) feita a partir de um derivado de celulose, que são carregadas por fluidos do corpo humano, como o suor e o plasma sanguíneo.

As biobaterias destinam-se a alimentar dispositivos eletrónicos implantados no interior do corpo humano, como pacemakers e outras aplicações que neste momento se encontram ainda na fase de investigação. É o caso da pele eletrónica para monitorização permanente dos sintomas de várias doenças, como os níveis de açúcar na diabetes.

As duas invenções vão ser divulgadas em breve em dois artigos publicados nos conhecidos jornais científicos "Electrochimica Acta" (baterias de papel) e "Biosensors and Bioelectronics" (biobaterias).

Telemóveis, computadores e tablets em papel

"O nosso objetivo final é fabricar todos os dispositivos eletrónicos em e com papel, incluindo os ecrãs interativos", explica Isabel Ferreira, membro da equipa de investigadores da FCT e a primeira a assinar o artigo a publicar na "Electrochimica Acta".

Isabel Ferreira acrescenta que "não faz sentido ter telemóveis como os atuais com baterias em papel, assim como também não faz sentido ter transístores em papel alimentados por baterias clássicas".

A equipa de cientistas do Departamento de Ciência dos Materiais da FCT foi a mesma que inventou em 2008 os primeiros transístores de papel e as primeiras memórias de papel, substituindo com sucesso o silício por este material para a maioria das aplicações eletrónicas disponíveis.

Imprimir transístores, memórias, baterias, ecrãs ...

No fundo, trata-se de "transformar as árvores, com alguns aditivos, em dispositivos eletrónicos capazes de substituir o silício, e de tirar partido das enormes vantagens da eletrónica impressa, que permite fabricar qualquer dispositivo eletrónico por impressão direta a jato de tinta, sem a necessidade de qualquer processo litográfico, como acontece com o silício", esclarece Elvira Fortunato.

Mas o que falta para fabricar qualquer dispositivo eletrónico em papel? "Depois dos transístores, das memórias e das baterias, faltam dois elementos fundamentais: como processar folhas de papel com diferentes funções na sua superfície, e como conceber dispositivos CMOS que permitam o fabrico de circuitos integrados complexos", esclarece Rodrigo Martins.

Projeto europeu nos ecrãs de papel

No que diz respeito aos ecrãs (displays), os cientistas portugueses estão envolvidos num projeto europeu chamado APPLE (Autonomous Printed Paper products for functional Labels and Electronics), que será lançado em breve, e que é coordenado pelo Centro Técnico do Papel, na Universidade de Grenoble (França). Envolve 12 instituições e empresas de vários países europeus, e a coordenação científica pertence a Rodrigo Martins e Elvira Fortunato.

CMOS (complementary metal-oxide-semiconductor) é uma tecnologia aplicada na fabricação de circuitos integrados, que reduz bastante o consumo de energia. É usada em microprocessadores, microcontroladores, memórias RAM, sensores de imagem e outros dispositivos, mas ainda não surgiram alternativas em que o silício seja substituído pelo papel. "Estamos a trabalhar nelas", afirma Rodrigo Martins.

Quando surgirem, o silício deixará de ser necessário? "O silício será sempre necessário, especialmente nas aplicações de elevada potência e nos microprocessadores ultrarrápidos, a chamada eletrónica ultrarrápida e de potência, onde os dispositivos atingem temperaturas elevadas que são incompatíveis com o uso de papel", clarifica Isabel Ferreira.

Essa é, aliás, uma das razões que explica por que motivo as baterias de automóvel não poderão ser fabricadas em papel num futuro próximo. Mas a celulose prepara-se para invadir em força o mundo das aplicações de baixa potência.

É mais do que uma revolução, é uma disrupção, iniciada com a produção, em 2008, do primeiro transístor de papel do mundo, nos laboratórios da Universidade Nova de Lisboa, lançando uma era completamente nova.

fonte: Expresso

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