segunda-feira, 12 de julho de 2010

Supercentenários. Viver para lá dos 115, com cigarros e chocolate


A vida é complexa. Pode ser uma verdade de La Palisse, mas é a única conclusão de um estudo sobre os que viveram mais de um século

Jeanne Calment e Chris Mortensen, a mulher e o homem com as vidas mais longas de que há registo, fumaram durante 100 anos. Pouco, é certo - Jeanne cumpriu 122 anos com dois cigarros por dia, e Mortensen era um amante do cachimbo e do charuto (em teoria, terá inalado menos fumo) - mas nunca largaram um vício que, dado o tempo de vida, mais parece um ritual de longevidade.

O regime alimentar destes supercentenários (por definição, quem sobrevive aos 100 anos) também abre um buraco no chão às dietas de calculadora: Susie Gibson, nativa do Mississípi que morreu com 115 anos em 2005 - lembrava-se de terem interrompido um filme num cinema de San Francisco para anunciarem o naufrágio do Titanic - guardou sempre um dia para jantar fora. Sarah Knauss (na foto) viveu até aos 119 anos a detestar vegetais e Charlotte Hughes sobreviveu até aos 115 rodeado de brandy, bacon e ovos, para não falar do chocolate, uma presença constante nos testemunhos de quem esteve mais perto do que a maioria da imortalidade.

As histórias foram reunidas por uma equipa internacional liderada pelo departamento de investigação demográfica do Instituto Max Planck, em Rostock, na Alemanha. No início do mês, os investigadores anunciaram a primeira base de dados internacional de longevidade - disponível em www.supercentenarians.org - com o objectivo de reunir informação fidedigna sobre as vidas mais longas e abrir novas portas à investigação sobre o envelhecimento. Têm também um livro onde revelam uma investigação de dez anos, em 15 países, e descobriram registos de 600 pessoas que viveram além dos 110 anos. Destas, 20 que ultrapassaram os 115 anos - presença assídua na imprensa por se irem substituindo no Guinness como a pessoa mais velha do mundo.

Heiner Maier, um dos investigadores do Instituto Max Planck, explica ao i que o objectivo era perceber se a mortalidade a partir dos 110 anos continua a aumentar, diminui ou estabiliza. "A nossa principal a descoberta é que a partir dos 110 anos, a probabilidade de morrer é de 50% por ano". "Actualmente a idade máxima é 122 anos [Jeanne Calment] mas é provável que o recorde seja batido no futuro."

Para já, os investigadores querem continuar a registar supercentenários, tarefa dificultada pela ausência de certidões de nascimento. Alargar a pesquisa a outros países é outro apelo. "Seria óptimo se algum cientista em Portugal fizesse este estudo", avança Maier.

A ideia não é inédita, diz ao i Ana Alexandre Fernandes, demógrafa da Universidade Nova de Lisboa. "Sabemos que existe uma bolsa de centenários na região centro, na zona de Leiria e Coimbra, que seria interessante estudar".

Viver tanto vai ser normal? Uma das conclusões dos investigadores é que houve um aumento de dos supercentenários com mais de 115 anos no período 2005/2006 - dos 20 encontrados, seis celebraram o épico aniversário nestes dois anos. "Pode indicar uma nova tendência, de que no futuro uma longevidade assim passaria a ser a norma", sugerem. O aumento dos centenários em todo o mundo fala por si - só em Portugal, entre 1950 e 2004, o número de pessoas com mais de 100 anos duplicou, de 224 para 558. Em todo o mundo estima-se que sejam hoje 450 mil, com a projecção de um milhão em 2030. Ana Fernandes Alexandre não vê contudo um crescimento para já exacerbado dos super-centenários, e sobretudo faltam explicações. "Nas zonas mediterrânicas, onde há muitos centenários, sabemos que existe um factor genético que afecta sobretudo os homens. No caso do Japão, também conhecido pelos seus centenários, não se associa-se à dieta de arroz, legumes e peixe", explica.

À mesma incógnita chegaram os investigadores deste projecto. "Podemos concluir que Jeanne Calment e os seus sucessores não revelaram nenhum segredo que explicasse as suas vidas extraordinariamente longas. Permanecem, portanto, um fenómeno complexo", escrevem. Perceberam contudo que ser mulher parece ser uma vantagem, pois dos supercentenários com mais de 115 anos que encontraram apenas dois eram homens. Tiveram vidas activas e mantiveram as suas capacidades sobretudo até ao 105º aniversário. Nos últimos anos precisaram de cadeira de rodas e muitos cegaram, mas os casos de doenças neurodegenerativas não foram a maioria. Sarah Knauss tratou um problema de hemoglobina com uma transfusão de sangue aos 117 anos e Jeanne Calment sobreviveu a uma operação à anca com 115.

As origens variadas, com alguns casos de famílias modestas, também parecem não ter grande influência, o mesmo pode dizer-se das dietas pouco regradas ou ausência de antecedentes familiares. Há até o caso da holandesa Hendrijke van AndelSchipper, que nasceu prematura com 1,36 quilos e viveu 115 anos. "No final, espera-se pela morte. Tem sido bom, mas o homem lá em cima diz que está na hora de ir", disse no fim.

fonte: Jornal i

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